POETAS DO ESPAÇO E DA COR
			Edla Van Steen
(...)
			
			Weissmann assim explica o seu começo.
			
			- Como cursei a Escola Nacional de Belas Artes, era figurativo 
			porque, sendo uma academia, lá só se concebia, naquela época, a arte 
			figurativa. Mas, quem quiser, pode ver que mesmo as minhas figuras 
			eram formas sintéticas. Minimal figuras, dentro do conceito da 
			minimal arte. Eu sempre tive uma tendência para a geometria que, aos 
			poucos, foi se acentuando, numa evolução lenta.
			
			Fui também um grande rabiscador. E, desenhando, descobri muita 
			coisa.
			
			- O neoconcretismo, que você chama de concretismo 
			latino-americano?
			
			- O concretismo nasceu na Suíça, um país de características 
			diferentes das nossas. Um concretismo novo só poderia nascer num 
			país novo.
			
			- Foi quando você se encantou com o quadrado e o cubo?
			
			- São as formas mais perfeitas da natureza - Weissmann diz.- Comecei 
			a pensar em esculturas abstratas através do cubo e de estudos com 
			fios de aço.
			
			Olho em torno no galpão onde estão as peças do artista, enquanto 
			Sabina de Libman escolhe as esculturas que devem participar da 
			exposição. Penso que realmente, ali, naquelas prateleiras, cheias de 
			protótipos e múltiplos, não existe a forma rígida. Tudo foi 
			decomposto, dividido, transformado. Um retângulo se abre, se 
			oferece. O quadrado se inclina, se desdobra, se ajoelha em 
			metamorfoses sensuais.
			
			- Trabalho para tentar me livrar do caos e do sofrimento do mundo 
			-Weissmann sorri.
			
			(...) O sorriso de Weissmann não é fácil, mas quando se abre ilumina 
			o rosto deste homem 'simples, calado, severo, econômico em gestos e 
			palavras', como tão bem o descreveu Flávio de Aquino.
			
			"Sua escultura é seca, incisiva e fundamental como um verso de 
			Carlos Drummond de Andrade". (...)
			
			- Como é que você começa uma escultura, Weissmann?
			
			- Faço pequenos estudos. Quando sinto que ela está prestes a se 
			definir, faço desenhos estudando os vários lados. Depois volto ao 
			protótipo, em geral de papelão, cortado com estilete e dobrado, ou 
			de dobraduras de papel.
			
			(...)
			
			Weissmann confessa que nunca soube copiar nada e que antes da vinda 
			de Max Bill para a Bienal de São Paulo -que muitos acreditam ser o 
			ponto de partida do concretismo no Brasil -, já tinha feito, em 
			1950, seu Cubo vazado. A geometria pura, uma necessidade interior. A 
			própria Bienal tinha recusado o grande cubo que ele mandara e que 
			era a primeira escultura construtivista brasileira.
			
			(...)
			
			- A cor ilumina a escultura. Dá luz à escultura. É importantíssima 
			-Weissmann diz.
			
			- Esta peça amarela, você consegue imaginá-la de outra cor? - 
			pergunto, no galpão que lhe serve de ateliê.
			
			- Especialmente esta, não. Tem de ser amarela.
			
			- A cor é um elemento formal, fundamental. Expressa beleza sem 
			precisar ser decorativa. Emana vibrações, luz, movimento e 
			sensualidade.
			
			Murilo Mendes, apresentando Weissmann numa exposição realizada em 
			Roma, usa um verso do inglês Donald Davie e pergunta:
			
			- Can spells or riddles be articulate? Weissmann sorri.
			
			- Eu gosto de desarticular o cubo. Há quem pense com música, há quem 
			pense com palavras, há quem pense com imagens, há quem pense com 
			formas e cores.
			
			- Você nunca tem uma idéia na cabeça buscando a forma? Ou é 
			sempre a forma que busca a idéia?
			
			- A escultura deve nascer do chão, como uma planta - Weissmann 
			responde.
			
			- Você quer expor algum conceito ou teoria sobre o seu trabalho?
			
			- Acho muito difícil formar conceitos e teorias. Estas coisas seguem 
			um caminho intuitivo, inconsciente.
			
			A própria obra em si é um mistério difícil de explicar 
			intelectualmente.
			
			Ferreira Gullar define: "Uma coisa - uma pedra, por exemplo -é uma 
			concentração indevassável de matéria. A vista não a penetra, a luz 
			não a penetra. O escultor encontra nela o seu contrário, a sua 
			negação. Ela é massa, peso, matéria inerte. Incutir-lhe a vida foi o 
			desafio que ele se propôs: transformou-a em atletas, em deusas, 
			personagens de um mundo alegórico que a História se encarregou de 
			dissipar. O homem foi devolvido ao mundo real - massa, peso, 
			opacidade. A sua luta agora se dá nos limites da percepção, sem 
			mitologia. É o começo da escultura moderna: Brancusi, Pevsner, Gabo, 
			Bill.
			
			Franz Weissmann (1911), austríaco de nascimento, brasileiro por 
			opção, veio juntar-se a essa família de radicais transformadores da 
			matéria. Eles são os recuperadores do espaço - do espaço anterior à 
			coisa, à massa compacta".
			
			- Eu gosto de desenhar o espaço -diz Weissmann, com simplicidade.
			
			(...)
			
			E eu acrescentaria que, para Weissmann, (a cor)é um componente 
			essencial, ao olhar as peças em ferro à espera da pintura. A tinta 
			realmente não decora a peça, nem funciona como acabamento ou 
			proteção do ferro. Ela é um elemento de luz e de volume.
			
			"(...) Franz Weissmann procura esse sutil ordenamento espacial, 
			compassando a continuidade do mundo por meio de modulações 
			complexas. As cores vivas que cobrem as chapas metálicas mostram bem 
			que a preocupação de Weissmann volta-se mais para o cadenciamento 
			espacial do que para uma intensificação da presença das coisas. O 
			colorido forte ajuda a delimitar o vazio de maneira ao mesmo tempo 
			delicada e penetrante, convertendo em qualidade o que era apenas 
			quantidade" - escreveu Rodrigo Figueira Naves em A Forma difícil.
			
			(...)
			
			Mais de uma vez ouvi que a Unidade Tripartida de Max Bill, exposta 
			na l Bienal de São Paulo, teria sido a grande inspiradora da 
			escultura brasileira moderna. O Cubo Vazio, como esclareceu 
			Weissmann, já havia sido feito um ano antes, e ele não quer dizer 
			que não admirasse o escultor suíço.
			
			"Uma lírica espacial, ao mesmo tempo seca e incisiva, estava longe 
			dos propósitos do concretismo suíço", analisa Wilson Coutinho.
			
			Nem o jogo lúdico de Weissmann, eu diria.É patente, no ateliê da 
			residência do artista, onde trabalha os moldes e as maquetes, o 
			brinquedo predileto do escultor, o prazer que tira dos cortes e 
			recortes, das dobraduras.
			
			Pergunto se o fato de ter sido professor de matemática ajuda sua 
			geometria e ele me responde que não. Nunca usou a matemática para 
			nada. Na opinião de Mondrian, a arte deve procurar o descanso do 
			espírito. "O descanso é plasticamente visível na harmonia das 
			relações, que são três: relações de posição, relações de proporção e 
			relações de cores. As relações de posição se encontram "não no 
			tamanho das linhas e dos planos mas na relação que estes têm diante 
			de outros. A mais perfeita dessas relações está no "ângulo reto, que 
			exprime a relação de dois extremos". A linha reta é a preferida de 
			artista, porque "o retilíneo é a realização do curvo".
			
			- E as esculturas de pequeno formato, Weissmann?
			
			- Em fins de 85, fiz um pequeno "Cubo Aberto", com base de 1O X 1O 
			cm, tiragem de 1/90, para a Galeria Thomas Cohn, do Rio. Era uma 
			busca de revelar o espaço interior do cubo. Só então descobri que o 
			protótipo não é apenas um "projeto" para o monumental. Pude ver e 
			sentir que é também uma pequena escultura, com vida própria e muito 
			rica. Uma vida para interiores, para a intimidade das casas e dos 
			escritórios em que a encontrava. Em 1986 e 1987 senti o impulso de 
			realizar toda uma série de pequenos formatos, em tiragens limitadas 
			de um único projeto. O que fiz para mim mesmo proponho ao 
			espectador, observar a versatilidade formal e estrutural que procuro 
			dar às minhas esculturas, como um jogo plástico, uma "obra aberta", 
			uma experiência lúdica em convívio com a obra de arte. O pequeno 
			formato permite sua livre movimentação. Conforme as posições em que 
			for colocada, cada peça se torna duas, três, às vezes várias 
			esculturas de aparências diferentes. Só o olho transmite a 
			totalidade de uma obra tridimensional, quando vista ou movimentada 
			de vários ângulos. O observador precisa apenas saber ver suas 
			variações possíveis.
			
			Ao olhar o galpão de Weissmann com todas aquelas esculturas nas 
			estantes, no chão, pensei o quanto seria fantástico montar uma 
			reprodução daquele galpão, dentro de um museu ou de uma fundação, 
			para que todo mundo sentisse aquele ambiente. Nem mais nem menos. 
			Aquele galpão como estava, como eu o via, naquele momento. (...)
			
			- Que influências você teve, Weissmann?
			
			- Não quero me perder em especificar as influências que todos nós 
			sofremos até encontrar nosso próprio caminho. Não se pode nascer do 
			nada. Tudo que nasce, nasce de alguma coisa. Não interessaria em 
			nada toda a nossa energia e vontade se ficássemos inteiramente 
			isolados de todo contato com outras culturas que nos precederam e 
			que existem paralelamente à nossa. Henry Moore, Pevsner e Brancusi 
			me impressionaram- ele confessa.
			
			Acredito e muito, ao conversar com Franz Weissmann, que a obra dele 
			seja bastante intuitiva, que ele tenha realmente descoberto suas 
			fendas, seus cortes, suas desarticulações, no processo de trabalhar, 
			no momento de, ludicamente, reinventar o quadrado, o cubo, o 
			retângulo. O que o liga a Volpi, a lanelli e a Aldir. Todos, à sua 
			maneira, jogando o jogo da criação, independente de teorias, 
			construíram suas obras.
			
			Weissmann não é simplesmente uma das muitas conseqüências no Brasil 
			de um pensamento universal da escultura geométrica, mas um 
			brasileiro por adoção que se firmou como uma figura respeitável no 
			cenário que gerou aquela concepção. Sendo um dos seus esteios no 
			Brasil, apresenta sinais de vitalidade muito mais eloqüentes que de 
			exaustão - escreveu Jayme Maurício.
			
			(...) Weissmann foi professor de Amílcar de Castro. Hoje, muita 
			gente confunde o trabalho dos dois, tanta afinidade mestre e aluno 
			têm. E Clarival do Prado Valladares apontou que "das soluções 
			estéticas desenvolvidas por Franz Weissmann, nos anos 70 a 80, 
			nasceram várias gerações de escultores construtivistas brasileiros".
			
			(...)
			
			Confio mais na intuição que na inteligência - Weissmann acrescenta.
			
			Sheila Leirner, escreveu:
			
			"... Weissmann realiza quase o impossível: lida com a clareza e a 
			precisão do gesto estrutural, sem conferir-lhe rigidez. Imobiliza a 
			formassem comprometer-lhe a articulação e a enorme movimentação. E 
			constrói sem quebrar a organicidade e a linearidade dos seus 
			planos.Um feito que não se deve apenas ao virtuosismo da manipulação 
			do material, mas ao fecundo (talvez até intuitivo) repertório de 
			conceitos óticos e estruturais mantidos pelo artista".
			
			- Você prefere esculturas em grandes ou pequenos formatos? 
			-pergunto, para provocar Weissmann.
			
			- Eu sempre imagino minhas peças em dimensões monumentais. O meu 
			trabalho é mais para ser colocado na rua do que em casa ou galeria. 
			As esculturas devem ficar nas praças, para que todos possam vê-las. 
			É a melhor maneira de se educar um povo. - Tentei várias formas de 
			arte, antes de me dedicar exclusivamente à literatura.
			
			-E você, Weissmann, por que se decidiu a ser artista?
			
			- Eu sempre quis ser pintor. Mas não escolhi ser artista. As pessoas 
			fazem arte por razões muito profundas. Me decidi pela escultura 
			porque precisava escolher uma forma de expressão. A vida não vale a 
			pena se a gente não faz o que gosta. No Brasil é difícil porque não 
			somos encaminhados para desenvolver as nossas vocações.
			
			As crianças não são estimuladas, principalmente se são pobres. Antes 
			de me decidir pela arte tive muitos empregos e profissões.
			
			(...)
			
			-E o mercado de arte, (...)?
			
			(...) Penso em Weissmann, no que ele acha disso:
			
			- Não tenho nem quero ter nada. A filosofia oriental de não possuir 
			bens materiais me agrada muito. Quero ter o necessário para investir 
			nas minhas peças e viver. Infelizmente tenho de vender meu trabalho 
			para poder continuar a produzir. Se fosse rico eu o daria de 
			presente.
			
			(...)
			
			E sobre Weissmann, Ferreira Gullar define:
			
			"(...) Onde havia massa, há agora o vazio, o espaço indeterminado, e 
			é dentro dele que nasce a escultura.
			
			(...) Uma poética do espaço que é, ao mesmo tempo, uma ética da 
			expressão: o mínimo de recursos para que, sem ênfase, a poesia, a 
			beleza, enfim o espírito do homem se construa fora do homem, no ar, 
			aqui, agora, no espaço comum da cidade. (...) A escultura de Franz 
			Weissmann é, assim, uma permanente redescoberta do espaço e da forma 
			que, a cada nova obra, parecem despontar pela primeira vez Edla Van 
			Steinis aí o milagre da arte."
			
			(...)
			 
Poetas do espaço e da cor.
			©Edla van Steen
			Arte Aplicada - 1997