Monumentos provisórios
Ronaldo Brito
A escultura de Franz Weissmann 
apresenta-se sempre como a reatualização incessante das possibilidades de 
espaço. Não existe forma fechada, não pode existir figura geométrica senão em 
movimento e transformação. Espaço é dinamismo, pulsação de espaço. A própria 
matéria vira um momento de passagem – ela está presente para ser vazada e 
atravessada por manobras que liberam, por assim dizer, o ar-livre. Tudo o que 
costuma haver de antropomórfico na escultura, a compulsão para o corporal e o 
orgânico, as tradicionais sugestões da unidade humana, cede lugar a uma poética 
de estritas inter-relações planares. A impessoalidade abstrata, entretanto, é 
ilusória: o que está em questão e evidência é justo a construção humana e 
histórica do espaço. No singular e no plural, tanto no nível do imaginário 
subjetivo quanto no da formação social objetiva. A escultura é a arte de 
tematizar, desdobrar e revitalizar o aparecimento sempre novo do espaço como 
encontro e confluência entre o individual e o coletivo.
E com uma disposição moderna, anti-substancialista, a obra de Weissmann nega 
qualquer idéia estática de monumento em favor da celebração do transitório. As 
suas articulações com o cubo, o retângulo ou a fita serão expansivas ou 
concentradas, mas invariavelmente instáveis e provisórias. Ainda quando assumem 
a escala de monumento, as peças de Weissmann continuam a tirar sua força do 
caráter de situação. E a tensão entre a sua notória mentalização – a 
consistência lógica necessária para engendrá-las – e o aspecto aberto e 
circunstancial talvez seja o que as distingue de imediato. Afirmar tão decidida 
e inteligentemente a potência do casual é, convenhamos, tarefa lenta e difícil. 
E obriga o olhar a enfrentar o dilema entre a força de atração de determinada 
combinação específica e as outras possibilidades que, de maneira premente e 
sedutora, a peça anuncia. Num certo sentido, sem prejuízo da presença certeira 
que ostentam, as esculturas de Weissmann terminariam todas em reticências. 
Teríamos assim a percepção levada a reconhecer o seu destino ativo, inesgotável 
e inacabado. O mundo moderno, ao abolir o princípio da autoridade, define-se 
como o que está por vir. Ele é o que será imaginado, processado e construído.
 
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Em formatos pequenos, as esculturas de Weissmann perdem, até certo ponto, o 
elemento surpresa da condição paradoxal de monumentos provisórios. E a sua 
vocação, digamos, épica, com um apelo coletivo considerável, fica parcialmente 
virtualizada. De todos os grandes escultores construtivos brasileiros – Amilcar 
de Castro, Sergio Camargo, Lygia Clark –, Weissmann seria o mais próximo à 
dimensão pública: o que solicita mais francamente a escala monumental, o menos 
dramático e introspectivo, o mais clássico, enfim. Mas as peças médias e os 
múltiplos agora em exposição estão perfeitamente dimensionados, nada têm de 
meras reduções ou adaptações. Cada um vale por si mesmo, ocupa lugar claro e 
distinto. E se correm o risco de passar por gadgets ao olhar cotidiano, 
desatento e dispersivo, nem por isso deixam de acentuar a aventura do provisório 
– com a possibilidade efetiva da manipulação torna-se irresistível o convite às 
mudanças constantes. Essas pequenas peças vivem pulsando, chamando a mudança e a 
permutação. E conduzem, inexoravelmente, à pergunta: como conseguiriam simples 
elementos geométricos adquirir tantas feições e permitir tantas articulações 
diversas? A geometria volta, portanto, à vida comum e concreta e dá razão à 
conhecida tirada de Josef Albers: “Em ciência um mais um é sempre igual a dois; 
em arte pode ser igual a três ou mais”.
Num plano mais abstrato de reflexão, talvez não seja temerário afirmar que, para 
Weissmann, o real consiste no jogo muitas vezes inopinado e inesperado dos 
possíveis. Fatos e dados teriam, pois, um alcance limitado por tudo o que 
possuem de fixos e estanques. Por isso mesmo, acabariam inócuos: incapazes de 
compreender e conter a entropia que corrói a pesada máquina do mundo moderno. E 
um dos sinais mais gritantes dessa entropia seria a espacialidade opressiva. 
Opressiva porque brutal e classista, sem dúvida. Mas opressiva também porque 
burocrática e irrefletida. Em meio ao ambiente truncado, confuso e opaco, as 
peças de Weissmann evoluem de um modo fluido e convicto. Nada em seu aspecto 
material as distingue, contudo, das construções ao redor. Até o seu método 
obedece à racionalidade técnica moderna. É o trabalho pela qualidade, a espécie 
superior de raciocínio construtivo, a ética de seleção e escolha que fazem 
brilhar a diferença entre a obra singular, capaz de atingir em cheio a muitos, e 
tantas coisas aparentemente feitas por todos e para todos que não movem nem 
comovem a ninguém.
©Ronaldo Brito - Rio de Janeiro - O Globo, 29 / 09 / 1987.