Franz Weissmann, prêmio de escultura
			Mário Pedrosa
A sala da escultura brasileira na Bienal é 
pobre. Não dá impressão de que seja produto de intenso trabalho e atividade. 
Nenhum escultor está ali com cinco obras. E por isso mesmo de algum modo se 
compreende a hesitação do Júri de premiação, na hora de julgar. Diz-se por aí 
que vários dos seus membros acharam insuficiente a representação isolada de cada 
artista para fornecer uma base para julgamento. E sob êsse pretexto houve quem 
quisesse não distribuir o prêmio de escultura, o que teria sido uma omissão 
absolutamente injustificável, quando ousaram dar o de desenho, embora ex aequo. 
Mas, afinal, o prêmio foi para Franz Weissmann, e foi muito bem. Não podia ter 
sido para outro. Weissmann suporta perfeitamente o galardão, apesar de só ter 
sido representado em Ibirapuera com três peças. Essas três peças são magníficas 
quanto à concepção. Confirmam as qualidades formais do artista, que é sobretudo 
uma imaginação plástica fecunda em idéias. Êle está sempre concebendo novas 
formas, que trata de esboçar em arame, pedacinhos de papel ou de pau, fios de 
cobre e até cordão. Algumas dessas idéias são verdadeiros achados plásticos. 
Nesse ponto pode êle ser confrontado com os bons escultores modernos da Europa 
ou dos Estados Unidos, principalmente do após-guerra.
Em matéria de idéias não chega, talvez, a ser tão fecundo quanto Oteiza, o 
escultor espanhol laureado na Bienal, que espalha idéias e muitas vezes 
embriões, estilhaços de idéias por toda parte com furor de fanático. No 
espanhol, a virtualidade de direções e a pletora de possibilidades 
contraditórias não lhe dão tempo a conceber até o fim uma idéia, e aí 
concentrar-se. Em Weissmann, indícios de outras direções aparecem aqui e acolá 
no correr de suas atividades artísticas, mas em geral ficam como embriões nas 
gavetas, prateleiras ou mesas da seu local de trabalho. Êle sabe concentrar-se 
para conceber.
Para conceber, sim. mas não tanto para realizar. Seus projetos, seus esboços, 
suas construções em primeira mão (quando dependem de seu fazer) são geralmente 
felizes. A transposição dessas coisas, porém, para materiais definitivos 
frequentemente não se faz nem com a mesma concentração nem com a mesma 
felicidade nem com a mesma paciência. Nele o mecânico, o ferreiro, o artesão é 
um ser mais fruste que o idealizador de formas. dos mais completos de nossos 
dias.
O gênero mesmo de sua escultura, quando abandonou a massa, o volume em que nos 
deu algumas densas formas monumentais, para entregar-se. como um enamorado 
inerme aos encantos impalpáveis do espaço, o fêz algo descuidoso dos materiais. 
As dificuldades de encontrar oficina própria ao gênero escultórico a que passou 
a dedicar-se, a quantidade de problemas práticos por vêzes intransponíveis que 
se amontoam em seu caminho, sobretudo num homem como êle. pobre, sem recursos, 
desarmado para a vida, tudo isso pode, de fato. ser empecilho ao seu querer de 
artista, à boa realização de suas obras. Mas são causas externas, que convém 
mencionar para esclarecimento de uma situação; não explicam certos falhas não 
tanto de execução mas de seleção. Weissmann é movido por estranhas alternativas, 
êle sabe o que quer até que a idéia se forme, se complete em suas mãos, se 
realize, enfim. Ela lhe sai, então, da cabeça e dos dedos, como uma jóia 
acabada. Mas a partir daí, um demônio começa a crescer dentro dêle, um demônio 
de incertezas, de inquietação, de dúvidas. Incerteza quanto a escala e 
proporções, quanto ao material em que deve ser o objeto construído etc. 
Alumínio? duralumínio? aço inoxidável? fio de aço? ferro? outro material leve? 
plástico? vidro? Alguém poderá, então, perguntar: Será que não tem êle 
conhecimento desses materiais e de suas propriedades? Tem, sem dúvida. (Muitas 
vêzes o que há é deficiência de nossa própria indústria no tratamento dêsses 
materiais, de modo a tornar impossível ou difícil a realização da idéia do 
artista. E a faina de encontrar então um material substitutivo ou uma adaptação 
razoável em função das possibilidades técnicas disponíveis é outro trabalho 
extenuante e ingrato.) Mas, de qualquer modo, isso não é o fundamental.
A menção dessas causas externas importa porque são o pretexto para despertar ao 
próprio escultor uma espécie de angústia que o torna quase incapaz de escolher. 
Franz, na verdade, tem dificuldade em conformar-se com a realidade externa, o 
espaço rotineiro dentro do qual nos movemos. No entretanto, sua escultura de 
hoje é rigorosa e clara nas regras de sua estrutura espacial. Graças ao rigor 
ortogônico dos planos no espaço, nos tem dado êle obras de excelente plenitude 
plástica, como Tôrre, premiada na Bienal. Estupenda idéia da ascensão rítmica e 
em espiral de dois planos ortogônicos (que atuam como verdadeiro módulo no 
conjunto arquitetônico) e que nos dá a sensação de um escalar sem fim de 
altitudes num descortino espacial sempre renovado, não encontrou ela, todavia, o 
material em que deve ser transposta, a escala em que terá de ser modulada e a 
técnica interna com que deve ser armada. Coluna, das obras expostas, é a mais 
bem realizada quanto ao material e à escala, em sua rítmica musicalidade 
espacial. Dois Cubos, de cuja distorsão disciplinada resulta a bela curva em 
laço de tantos ângulos visuais e de tão esplêndida vitalidade formal, ainda 
tampouco encontrariam a escala, a dimensão ou a espessura ou talvez o material 
com que hão de ser moldados em definitivo.
E no fundo essa dúvida, essa incapacidade de escolher faz parte de seu próprio 
processo criador, e, de algum modo, lhe cria um estilo, a maneira. Nas suas 
construções na base dos planos ortogônicos em desenvolvimento no espaço, a 
partir do cubo, Franz se deixa ir pelo ritmo interno da estrutura até um ponto 
que êle mesmo não sabe definir. Há uma sutil hesitação nos confins convencionais 
da obra. E uma pergunta aparece: por que não arrematar assim ou assado ? Mas 
existe, realmente, um acabar ? Um ponto final nas coisas e nos espaços abertos ? 
Esta dúvida Franz não nos resolve, e delxa-a a nosso sabor. A hesitação que 
acaba se tornando uma espécie de angústia transcendente constitui, na realidade, 
um traço típico da escultura da Weissmann. Sua arte transmite dúvidas e não 
soluções. Por isso mesmo, suas formas mais festejadas nos aparecem abertas como 
os espaços que articula, sob uma lei rítmica de avançar e recuar, de expansão e 
retrocesso. Nada mais sólido e rígido que um cubo: a escultura de Weissmann, ao 
extorsioná-lo no espaço, lhe substitui a solidez única pela virtualidade.
 
JORNAL DO BRASIL - QUARTA FEIRA, 11 DE DEZEMBRO DE 1957 
©Mário Pedrosa